quinta-feira, 23 de junho de 2011

O Elefante

Fabrico um elefante
de meus poucos recursos.
Um tanto de madeira
tirado a velhos móveis
talvez lhe dê apoio.
E o encho de algodão,
de paina, de doçura.
A cola vai fixar
suas orelhas pensas.
A tromba se enovela,
é a parte mais feliz
de sua arquitetura.

Mas há também as presas,
dessa matéria pura
que não sei figurar.
Tão alva essa riqueza
a espojar-se nos circos
sem perda ou corrupção.
E há por fim os olhos,
onde se deposita
a parte do elefante
mais fluida e permanente,
alheia a toda fraude.

Eis o meu pobre elefante
pronto para sair
à procura de amigos
num mundo enfastiado
que já não crê em bichos
e duvida das coisas.
Ei-lo, massa imponente
e frágil, que se abana
e move lentamente
a pele costurada
onde há flores de pano
e nuvens, alusões
a um mundo mais poético
onde o amor reagrupa
as formas naturais.

Vai o meu elefante
pela rua povoada,
mas não o querem ver
nem mesmo para rir
da cauda que ameaça
deixá-lo ir sozinho.

É todo graça, embora
as pernas não ajudem
e seu ventre balofo
se arrisque a desabar
ao mais leve empurrão.
Mostra com elegância
sua mínima vida,
e não há cidade
alma que se disponha
a recolher em si
desse corpo sensível
a fugitiva imagem,
o passo desastrado
mas faminto e tocante.

Mas faminto de seres
e situações patéticas,
de encontros ao luar
no mais profundo oceano,
sob a raiz das árvores
ou no seio das conchas,
de luzes que não cegam
e brilham através
dos troncos mais espessos.
Esse passo que vai
sem esmagar as plantas
no campo de batalha,
à procura de sítios,
segredos, episódios
não contados em livro,
de que apenas o vento,
as folhas, a formiga
reconhecem o talhe,
mas que os homens ignoram,
pois só ousam mostrar-se
sob a paz das cortinas
à pálpebra cerrada.

E já tarde da noite
volta meu elefante,
mas volta fatigado,
as patas vacilantes
se desmancham no pó.
Ele não encontrou
o de que carecia,
o de que carecemos,
eu e meu elefante,
em que amo disfarçar-me.
Exausto de pesquisa,
caiu-lhe o vasto engenho
como simples papel.
A cola se dissolve
e todo o seu conteúdo
de perdão, de carícia,
de pluma, de algodão,
jorra sobre o tapete,
qual mito desmontado.
Amanhã recomeço.




Carlos Drummond de Andrade



em A Rosa do Povo

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Fairy Dust

Venham correr, saltar as estrelas, venham partir a sorrir... Não deixem o frasco evaporar, vamos aumentar e abarrotar o frasco, sinto-vos lá dentro!

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Encontrei este por Marrocos :)


Tenho saudades de escrever para vocês :(
Mas os dedos andam preguiçosos e o tempo foge-me por entre as unhas lascadas de tanto verniz sobreposto! Desculpem queridas burras, mas que tenho saudades, tenho...e isso, ninguém me tira!

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Tu eras também uma pequena folha
que tremia no meu peito.
O vento da vida pôs-te ali.
A princípio não te vi: não soube
que ias comigo,
até que as tuas raízes
atravessaram o meu peito,
se uniram aos fios do meu sangue,
falaram pela minha boca,
floresceram comigo.

Pablo Neruda

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Amor de tarde

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las cuatro
y acabo la planilla y pienso diez minutos
y estiro las piernas como todas las tardes
y hago así con los hombros para aflojar la espalda
y me doblo los dedos y les saco mentiras.

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las cinco
y soy una manija que calcula intereses
o dos manos que saltan sobre cuarenta teclas
o un oído que escucha como ladra el teléfono
o un tipo que hace números y les saca verdades.

Es una lástima que no estés conmigo
cuando miro el reloj y son las seis.
Podrías acercarte de sorpresa
y decirme "¿Qué tal?" y quedaríamos
yo con la mancha roja de tus labios
tú con el tizne azul de mi carbónico.

Mario Benedetti

quinta-feira, 22 de julho de 2010

terça-feira, 6 de julho de 2010

Cristina, sonhei contigo.. riamo-nos olhos nos olhos
fica em forma de haiku para repetir tres vezes
não te esqueças! para quando um jantar de burras?

quarta-feira, 9 de junho de 2010

de MAGIA

Eu antigamente era muito nervoso. Eis-me num novo caminho.
Meto a maçã em cima da mesa. Depois meto-me dentro dessa maçã. Que tranquilidade!
Parece simples. No entanto, há já vinte anos que o tentava e não o teria conseguido, em querendo começar por aí. Porquê? Julgar-me-ia talvez humilhado, dado o seu pequeno tamanho e a sua vida opaca e lenta. É possível. Os pensamentos da camada inferior são raramento belos.
Por isso, comecei de outro modo e uni-me ao Escaut.
O Escaut, em Anvers, onde o encontrei, é grande e imponente e gera uma grande corrente. Apanha os navios de alto bordo que se apresentam. É um rio, dos verdadeiros.
Decidi tornar-me um com ele. Permanecia no cais todas as horas do dia. Mas dispersava-me em várias considerações inúteis.
E além disso, sem querer, olhava para as mulheres de tempos a tempos, e isso é coisa que um rio não permite, nem uma maçã, nem nada na natureza.
O Escaut, portanto, e mil sensações. Que fazer? De repente, tendo renunciado a tudo, achei-me... não diria no seu lugar, porque , para falar verdade, nunca se tratou disso. Ele corre incessantemente (aí está uma grande dificuldade) e desliza para a Holanda onde encontrará o mar à altitude zero.
Regresso à maçã. Aí, mais uma vez, houve tentativas, experiências; é uma longa história. Partir não é muito cómodo, e explicá-lo muito menos.
Mas posso dizer-vos numa palavra. Sofrer é a palavra.
Quando cheguei à maçã, estava gelado.

Henri Michaux

quinta-feira, 20 de maio de 2010

Cada coisa em seu lugar

A cara lavada
com água e sabão
camisa rasgada
agulha e botão.

Berlindes no bolso
o lápis na mão
cadernos na mala
manteiga no pão.

O sol no olhar
as pulgas no cão
gaivotas no mar
formigas no chão.

A mãe à janela
o pai ao portão
no peito a bater
o meu coração.

No peito a bater
o meu coração
no peito a bater
o meu coração.

Plim! Plão!

José Fanha, 2004
Cantigas e Cantigos

segunda-feira, 3 de maio de 2010

quinta-feira, 8 de abril de 2010

IIII

Tenho pelos meus poemas
a ternura que a coruja tinha pelos filhos
mas não tenho a sua cegueira
porque sei que Diderot acha os meus poemas maus
a coruja disse à águia
podes comer os passarinhos que quiseres
mas não comas os meus filhos
os meus filhos são os passarinhos mais bonitos
que encontrares na floresta
a águia comeu os meus filhos da coruja
comi os teus filhos porque eram feios
disse a águia à coruja
as comparações são muito perigosas
(como diamantes)
certas comparações valem fortunas
não vejo o que possa ser comer poemas
talvez fazer contas ou hieróglifos obscenos
nos papéis onde estão os meus poemas
não vejo quem possa ser a águia
Diderot não é a águia
mas uma pessoa neste momento
pode estar a fazer contas e hieróglifos obscenos
nos filhos de uma coruja
talvez Walt Disney visse

Adília Lopes 29.XII.1985
O Poeta de Pondichéry

terça-feira, 6 de abril de 2010

Para um adversário à altura

Bate! - se é verdadeira
a causa por que lutas,
embora em pedaços
me derrubes
do meu lugar.
Há um milagre! - esse
que me refaz inteiro.
E me levanta.

Gyula Illyés (1902/1983)

domingo, 21 de março de 2010

falta por aqui uma grande razão
uma razão que não seja só uma palavra
ou um coração
ou um meneio de cabeças após o regozijo
ou um risco na mão
ou um cão
ou um braço para a história
da imaginação
-
podemos pois está claro
transferir-nos
imaginar durante um quarto de hora
os séculos que virão
- os séculos um
e dois
da colonização -
depois
depois é este cair na madrugada ardente
na madrugada de constantemente
sem sol
e sem arpão
-
faltas tu faltas tu
falta que te completem
ou destruam
não da maneira rilkeana vigilante mortal solícita e obrigada
- não, de nenhuma maneira resultante!
nem mesmo o amor
não é o amor que falta
-
falta uma grande realmente razão
apenas entrevista durante as negociações
oclusa na operação do fuzilamento cantante
rodoviária na chama dos esforços hercúleos
morta no corpo a corpo do ismo contra ismo
-
falta uma flor
mas antes de arrancada

falta, ó Lautréamont, não só que todo o figo como o seu burro
mas que todos os burros se comam a si mesmos
que todos os amores palavras propensões sistemas de palavras e de propensões
se comam a si mesmos
muitas horas por dia até de manhã cedo
até que só reste o a o b e o c das coisas
para o espanto dos parvos
que aliás não estão a mais

isso eu o espero
e o faço
junto à imagem da
criança morta
depois que Pablo Picasso devorou o seu figo
sobre o cadáver dela
e longas filas de bandeiras esperam
devorar Picasso
que é perto da criança, ao lado da boca minha

Mário Cesariny
´
um carinho profundo no Dia da Poesia

quarta-feira, 10 de março de 2010

Jamie Allason
National Geographic

segunda-feira, 8 de março de 2010

Há toda a humanidade com quem falar
Também existe tu.

Não tenho medo de ser mal entendido.
Quando falo porque devo, a paisagem
transborda de figuras que querem ouvir.
Unidos pela nossa ignorância lutamos, e as palavras
materializam-se, começam a ter importância.
Será isto surpreendente, invulgar?
De todo. A língua é o nosso dom evidente: O Verbo,
tornado carne, é procurado de novo.
Fazemo-lo enquanto fazemos as nossas vidas.

Também existes tu,
que falas para ti próprio
e que tens de ser ouvido.

Nissim Ezekiel

terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

A minha luta é esta:
sagrado de saudade
divagar pelos dias.
Depois, largo e forte,
Com mil raízes fundo
mergulhar vida dentro -
e, amadurecido em dor,
ir longe pra além da vida,
longe, para além o tempo.

Rainer Maria Rilke, 1898

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Depois aprendi a andar
no chão da noite
sem os pés nas estradas.

E pus-me a cantar
por ausência de asas.
José Gomes Ferreira, 1959
Poesia V

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010


aMORosas!! APAREÇAM NO MEU BLOG :)
quero partilhar-vos o q me tem o peito,
vosso!


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Amor sem tréguas

É necessário amar,
qualquer coisa, ou alguém;
o que interessa é gostar
não importa de quem.

Não importa de quem,
nem importa de quê,
o que interessa é amar
mesmo o que não se vê.

Pode ser uma mulher,
uma pedra, uma flor,
uma coisa qualquer,
seja lá do que for.

Pode até nem ser nada
que em ser se concretize,
coisa apenas pensada,
que a sonhar se precise.

Amar por claridade,
sem dever a cumprir;
uma oportunidade
para olhar e sorrir.

Amar como o homem forte
só ele o sabe e pode-o;
amar até à morte,
amar até ao ódio.

Que o ódio, infelizmente,
quando o clima é de horror,
é forma inteligente
de se morrer de amor.

António Gedeão, 1961
Obra Poética
(resposta)